Colostro bovino para ganhar massa magra: vale a pena investir?
- Aline Carvalho

- 25 de out.
- 6 min de leitura

O que é colostro bovino?
A primeira secreção produzida pelas glândulas mamárias das vacas logo após darem à luz é chamada de colostro, uma substância naturalmente concentrada em anticorpos, proteínas de defesa (como lactoferrina e lisozima), fatores de crescimento e diversos compostos biologicamente ativos.
Sua composição apresenta características essenciais para o desenvolvimento e proteção imunológica dos bezerros recém-nascidos contra infecções.
Nós, humanos, também produzimos e consumimos colostro: o famoso "primeiro leite" materno que alimenta bebês nos primeiros dias de vida.
É justamente por essa importância natural que a maior parte das pesquisas científicas se concentra em crianças, recém-nascidos e bebês prematuros.
Mas o colostro bovino recentemente viralizou nas redes sociais como um diferencial para o ganho de massa magra, vendido em formato de suplemento com uma proposta tão atrativa que soa até mesmo milagrosa.
Vamos entender até que ponto vale investir nesse tipo de suplemento, em comparação a outras alternativas do mercado, e porque o colostro bovino se tornou tão popular na internet.

Os possíveis benefícios do colostro bovino para humanos
O colostro bovino desperta interesse por alguns fatores:
Atua no sistema de defesa do organismo: A alta presença de imunoglobulinas (proteínas envolvidas no combate a infecções) teoricamente pode ajudar no fortalecimento imunológico. Isso tem chamado atenção especialmente para populações com defesas reduzidas, como idosos em recuperação pós-cirúrgica ou atletas que sofrem queda imunológica devido ao excesso de treinamento.
Na saúde do intestino: Investigações apontam que componentes como lactoferrina e fatores de crescimento presentes no colostro podem contribuir para manter a integridade da parede intestinal, ajudando a prevenir condições como o aumento da permeabilidade intestinal. A capacidade de estimular o reparo tecidual tem atraído interesse no contexto de doenças inflamatórias intestinais.
Na recuperação muscular: Os fatores de crescimento encontrados no colostro sugerem potencial para auxiliar na reparação de tecidos musculares após exercícios intensos. Combinado com os possíveis efeitos positivos na imunidade, isso faria dele um candidato interessante para quem pratica atividades físicas de alta intensidade.
Para quem o colostro bovino é indicado?
Esses fundamentos teóricos são geralmente mencionados em protocolos que consideram o colostro bovino para pessoas:
Em recuperação de processos infecciosos
Com problemas gastrointestinais que necessitam de suporte para regeneração da mucosa intestinal, ou seja, em tratamentos de modulação intestinal

O que dizem os estudos científicos?
Existe uma distância considerável entre o potencial teórico e o que as pesquisas conseguiram comprovar na prática.
Na imunidade de pessoas saudáveis, uma pesquisa com jovens jogadoras de basquete revelou algo importante: contrariando as expectativas iniciais dos próprios pesquisadores, a suplementação com colostro bovino não trouxe efeitos significativos nos marcadores da função do sistema imunológico.
Em casos de diarreia aguda infantil, sim, existem evidências de que o colostro bovino pode ser eficaz como terapia complementar, especialmente em infecções por rotavírus ou E. coli, ajudando a prevenir complicações relacionadas à condição.
Para atletas de alto rendimento, um estudo com jogadores de futebol mostrou redução na inflamação muscular (medida pela diminuição do TNFα), o que teoricamente poderia acelerar a recuperação entre treinos. Porém, os próprios pesquisadores destacaram que são necessárias investigações mais aprofundadas.
Sobre a saúde intestinal, pesquisas apontam que o colostro bovino possui potencial para melhorar sintomas gastrointestinais em diversos distúrbios, graças à proteção contra microrganismos nocivos, estímulo ao crescimento de bactérias benéficas e auxílio na reparação da mucosa intestinal.
No entanto, os próprios estudos ressaltam que ainda faltam pesquisas sobre os mecanismos exatos de ação do colostro bovino no organismo humano.
Os métodos de processamento industrial podem comprometer as moléculas ativas, e a eficácia varia muito conforme a dosagem e forma de administração.
Percebe a diferença? O potencial existe, mas os resultados práticos são limitados, específicos e ainda precisam de mais investigação.

Então por que está sendo divulgado como "o segredo da hipertrofia e ganho de massa magra"?
Agora vamos falar sobre o elefante na sala.
Há uma nova marca de suplementos vendendo colostro bovino por quase R$ 500 através de marketing de afiliados, um modelo em que influenciadores e criadores de conteúdo recebem cerca de R$ 200 por cada compra feita através de seus links.
Não há nada de errado com o marketing de afiliados em si. Vários produtos vendidos por criadores de conteúdo podem sim entregar resultados, mas é sempre necessário ter senso crítico antes de efetivar a compra de suplementos sem indicação profissional, uma vez que os treinamentos de vendas incluem prints de provas sociais bem difíceis de descobrir a veracidade.
Escolher formatos mais convenientes de consumo — como gomas, pós saborosos ou líquidos enriquecidos — também é absolutamente válido quando isso facilita sua rotina.
Mas narrativas "orgânicas" e "humanizadas" de afiliados nas redes sociais criam a ilusão de que você está apenas vendo a rotina autêntica de alguém, quando na verdade existe um incentivo financeiro significativo por trás daquela recomendação.
O risco disso é acabar investindo em um produto que não te dará tanto retorno quanto o acompanhamento com profissionais da área da saúde que são capacitados para criar um tratamento personalizado para o seu metabolismo, com base em exames precisos.
A qualidade importa até mesmo para o produto fazer sentido
Aqui está um ponto crucial que raramente aparece nos stories patrocinados: a qualidade do colostro bovino é extremamente sensível e depende de inúmeros fatores que fogem completamente do seu controle como consumidor, além de serem muito difíceis de comprovar por parte da empresa.
A eficácia do produto está diretamente ligada a variáveis como o estado de saúde do animal, seu histórico de vacinação, a alimentação que recebe, o ambiente onde vive, a raça, o intervalo entre gestações e o momento exato da coleta.
Enquanto os bezerros precisam do primeiro colostro imediatamente após o nascimento, para a suplementação humana o colostro coletado entre o terceiro e quarto dia apresenta propriedades superiores ao que é obtido uma semana depois do parto.
Até a conversão dele em produto pronto para consumo, o armazenamento deve passar por um rigoroso controle de qualidade sob características específicas e complexas para ser comercializado.
Além disso, existe uma diferença significativa entre colostro de vacas criadas em pasto, ao ar livre, versus aquelas mantidas em sistemas convencionais de confinamento.
Dada toda essa sensibilidade no processo — desde a criação do animal até o momento da coleta e processamento — produtos com preços muito baixos provavelmente comprometem em algum ponto dessa cadeia.
Por outro lado, um preço estratosférico não garante automaticamente qualidade superior, especialmente quando boa parte do valor está financiando comissões de afiliados ao invés de investimento em controle de qualidade rigoroso.
Você está comprando baseado em promessas e no testemunho de influenciadores que ganham financeiramente com sua compra. Será que compensa?
Quem não deve usar colostro bovino
Pessoas com intolerância à lactose ou alergia à proteína do leite de vaca devem evitar completamente o suplemento.
Gestantes, lactantes e crianças também não têm respaldo científico suficiente sobre segurança.
E atenção, atletas: a Agência Mundial Antidoping não recomenda o uso porque o colostro contém fatores de crescimento que podem interferir em testes antidoping.
Faça as contas: para onde seu dinheiro poderia ir?
Com quase R$ 500 mensais, você poderia:
Contratar acompanhamento online com personal trainer E nutricionista
Investir em exames laboratoriais para identificar o que REALMENTE está faltando no seu organismo
Comprar suplementos prescritos especificamente para suas necessidades (muitas vezes em formulações magistrais mais acessíveis)
Melhorar significativamente a qualidade da sua alimentação como um todo
Você estaria dedicando esse investimento a uma visão integral da sua saúde, ao invés de apostar em uma expectativa estética baseada em promessas que a ciência ainda não sustenta completamente.
A conclusão honesta
O colostro bovino tem compostos interessantes e algumas aplicações específicas comprovadas, principalmente em contextos clínicos muito particulares.
Mas transformá-lo em uma solução genérica e inovadora para emagrecimento, imunidade e bem-estar vai muito além do que as evidências científicas conseguem garantir.
Antes de cair no hype das redes sociais, questione o que as pesquisas realmente dizem. Um produto que é considerado realmente inovador ganharia mais mídia do que recomendações virais e sensacionalistas nas redes sociais.
De preferência, tenha sempre a curiosidade de querer saber para quem esses estudos foram feitos, e principalmente se existe uma forma mais inteligente de investir esse dinheiro na minha saúde.
A resposta, na maioria dos casos, é sim.
Aline Angela C. de A.
Nutricionista Clínica Comportamental
CRN-8 18431
Curitiba/PR
Atendimento online e presencial
REFERÊNCIAS
BARAKAT, S. H. et al. Bovine Colostrum in the Treatment of Acute Diarrhea in Children: A Double-Blinded Randomized Controlled Trial. Journal of Tropical Pediatrics, v. 65, n. 6, p. 597-603, 2019. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31168590/. Acesso em: 25 out. 2025.
CIEŚLICKA, M. et al. Effects of Long-Term Supplementation of Bovine Colostrum on Iron Homeostasis, Oxidative Stress, and Inflammation in Female Athletes: A Placebo-Controlled Clinical Trial. Nutrients, v. 15, n. 1, 2023. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/36615842/. Acesso em: 25 out. 2025.
CIEŚLICKA, M. et al. Long-Term Bovine Colostrum Supplementation in Football Players. Nutrients, v. 15, n. 22, p. 4779, 2023. Disponível em: https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC10675434/. Acesso em: 25 out. 2025.
SKARPAŃSKA-STEJNBORN, A. et al. Efeitos da Suplementação de Colostro Bovino a Longo Prazo no Sistema Imunológico de Jovens Jogadoras de Basquete: Ensaio Randomizado. Nutrients, v. 13, n. 1, p. 101, 2020. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33396972/. Acesso em: 25 out. 2025.
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