Nutrição comportamental na diabetes: controle da glicemia, relações sociais e bem-estar
- Aline Carvalho

- 28 de mai.
- 8 min de leitura
Atualizado: 10 de set.

Conviver com o diagnóstico de diabetes vai muito além do monitoramento da glicemia e de uma dieta rígida.
Quem vive com diabetes tipo 1 ou tipo 2 pode ver cada refeição em um ato complexo e, muitas vezes, desafiador, mas o comportamento alimentar é uma peça-chave para conviver com o diagnóstico a partir de uma perspectiva mais otimista.
A vida com diabetes, embora traga seus desafios, é também um convite à redescoberta do corpo e de suas necessidades.
Longe de ser uma 'perda', essa jornada exige um olhar atento às respostas fisiológicas, mas, acima de tudo, um profundo respeito e carinho por si.
Neste guia completo, você vai entender como funciona o comportamento alimentar na diabetes, explorando exemplos práticos, desmistificando a relação com a comida e aprendendo os cuidados necessários para uma rotina menos ansiosa.
Descubra também como o apoio das relações sociais podem ser grandes aliados no autocuidado e bem-estar de pessoas com diabetes.

O comportamento alimentar em pessoas com diabetes
Pessoas com diabetes têm o comportamento alimentar geralmente moldado por diretrizes de controle dos macronutrientes (carboidratos, proteínas e gorduras) e oscilações da frequência alimentar.
Por se tratar de uma necessidade que garante a própria sobrevivência, o controle da glicemia é inevitável, mas a mudança de perspectiva é capaz de mudar hábitos e o próprio comportamento alimentar.
As necessidades de monitoramento intensivo para prevenir picos e quedas de glicemia transformam a alimentação em um projeto: etapas a serem seguidas, metas a serem conquistadas, bem como o acompanhamento contínuo para compreender os dados e os sintomas.
Este projeto passa a ser interpretado como desconfortável quando há rejeição do diagnóstico, falta de orientação profissional e a inadequação dos hábitos ao contexto de vida, principalmente no contexto social, fazendo com que muitas pessoas adotem comportamentos de "restrição compensatória", um ciclo em que se restringe rigorosamente a ingestão de certos alimentos para evitar aumento nos níveis de glicose.

Outros exemplos de comportamentos comuns na diabetes:
Planejamento alimentar rígido: uma pessoa pode se sentir pressionada (não orientada) a pesar os alimentos e calcular carboidratos em todas as refeições. Essa rotina pode se transformar em obsessão, levando a um comportamento alimentar disfuncional.
Negação e ausência total de controle da glicemia: para quem encontra resistência de aceitar o diagnóstico, não ter constância no monitoramento dos picos e quedas de glicemia pode gerar sérios riscos à saúde.
Pavor de certos alimentos: como alimentos com alto índice glicêmico (pão branco e doces, por exemplo) podem gerar ansiedade se o indivíduo não recebeu orientações adequadas para o manejo de carboidratos na rotina. Algumas pessoas passam a evitar completamente esses alimentos, o que, por vezes, leva a episódios de compulsão alimentar.

O impacto do diabetes nas relações sociais e amizades
A sociedade nem sempre compreende as demandas de quem convive com o diagnóstico. Um indivíduo com diabetes frequentemente precisa justificar o motivo de precisar fazer pausas, medir a glicose ou cuidar do que consome em momentos sociais.
Explicar essas necessidades é um exercício contínuo, pois muitas pessoas, além de não entenderem a doença, ainda enxergam essa síndrome metabólica com um olhar de julgamento, associando-a a estigmas como falta de cuidado pessoal, “obsessão desnecessária” com o monitoramento, ou “desculpa para se ausentar” — o que não faz o menor sentido, mas vamos entender melhor isso ao longo do texto.
Nestes casos, a rede de apoio faz uma enorme diferença. Ter qualidade de vida com diabetes não depende só do autocuidado, mas também do acolhimento de outras pessoas. Embora ainda falte muita compreensão e empatia, o apoio está em pequenas atitudes:
Amigos que lembram de preparar uma refeição adequada
Colegas e supervisores de trabalho que respeitam pausas
Familiares realizam as compras de supermercado considerando alimentos que ajudam a controlar os picos de glicemia.
Professores e líderes preparados para lidar com rotinas alternativas
Esse tipo de respeito reforça a sensação de que, mesmo com as demandas extras, ninguém precisa carregar o peso sozinho.
Ana Clara, diagnosticada com diabetes desde criança, já enfrentou muitos desafios no processo de entender como cuidar da própria saúde, e muitas conquistas pelo caminho. Tivemos uma longa conversa, mas uma de suas falas complementam muito bem esse contexto social de que estamos falando agora:
“Hoje eu sei como meu corpo funciona. Não sou médica, mas hoje sou enfermeira e especialista em mim. Eu me estudei por anos.
Já testei todas as ferramentas e métodos que poderia ter acesso. Sou enfermeira e a pesquisa que eu fiz como trabalho de conclusão de curso foi sobre o conhecimento dos professores sobre as demandas de acadêmicos com diabetes, porque sei como é viver com o diagnóstico sem ter todo o apoio que precisaria no ambiente acadêmico e escolar.
Na época da escola, quando eu não fazia contagem de carboidratos e não tinha a liberdade e os recursos que tenho hoje, minha mãe precisava ir até a escola ver na lanchonete se tinha algo que eu poderia comer, e na maioria das vezes não tinha nada.”

Como lidar quando uma pessoa que amo recebeu o diagnóstico?
Viver com diabetes se torna menos complicado quando a rede de apoio também cumpre seu papel: não reduzindo alguém à sua condição, ou seja, um exercício de enxergar a pessoa de forma completa, respeitando sua autonomia e individualidade.
Quem vive com diabetes não é “o diabético”, é uma pessoa com interesses, habilidades e sonhos que vão muito além do diagnóstico.
Ao reduzir e resumir alguém à doença, deixamos de valorizar sua força, suas escolhas e as tantas outras coisas que compõem sua identidade.
O apoio, nesse sentido, vem de uma postura respeitosa, que entende o diabetes como um aspecto da vida, não o fator definidor dela.
Isso significa estar presente sem invadir, oferecer ajuda sem presumir fragilidade e, principalmente, respeitar a capacidade da pessoa de conduzir sua rotina do jeito que faz sentido para ela.
Uma das formas invasivas de lidar é pressionando (não orientando) o controle de glicemia, impedir o acesso a alimentos ricos em carboidratos simples ou outros alimentos preferidos (podando sua capacidade de escolha), além de tratá-la de forma infantil, deduzindo que um episódio de pico de glicemia foi imaturidade e irresponsabilidade por parte da pessoa.
Acima de tudo, não agir como um profissional da área da saúde se você não possui qualificação para isso. Um gesto de amor e cuidado é entender a doença, os cuidados necessários para primeiros socorros e recomendar um nutricionista que acompanhe o paciente na adaptação da rotina.

Quem convive com alguém com diabetes pode ajudar com pequenos gestos que fazem diferença no dia a dia:
Lanches rápidos e estratégicos: tenha por perto e ofereça opções saudáveis e de baixo índice glicêmico à mão, como castanhas, frutas ou iogurte. Isso ajuda a pessoa a se cuidar sem esforço extra.
Parceria nas refeições: aprenda a fazer receitas e escolher restaurantes com opções equilibradas, de preferência alimentos ricos em fibras, o que faz com que a pessoa se sinta mais à vontade para se alimentar fora de casa e fortalece o vínculo de confiança entre vocês.
Planejem juntos a alimentação: nos dias de passeio ou viagens, pense em horários e paradas para alimentação e medição de glicose. Será uma excelente ajuda para evitar imprevistos e diminuir o estresse
Check-in discreto: pergunte de vez em quando, de forma leve, se ela precisa de algo ou como está se sentindo. Isso demonstra cuidado sem parecer invasivo.
Aprenda sobre a condição, sem ter que pedir explicações para quem tem o diagnóstico: entender um pouco sobre diabetes facilita a comunicação e ajuda você a saber o que realmente faz diferença no cotidiano da pessoa.
Com o tempo, cuidar da glicemia e escolher alimentos que fazem bem ao corpo se tornam parte da rotina, como escovar os dentes ou dormir o suficiente. A chave está em pequenas trocas que se encaixam naturalmente no dia a dia.

Entendendo a diabetes em 1 minuto
A glicose é um tipo de açúcar simples (monossacarídeo) essencial para o corpo, pois fornece a energia que todas as células precisam para funcionar.
Você já ouviu falar da expressão “açúcar no sangue”?
O termo "açúcar" é mais genérico e pode se referir a diferentes tipos de carboidratos doces, como:
Sacarose: É o açúcar de mesa comum, composto por glicose e frutose.
Frutose: Um açúcar natural encontrado em frutas, mel e alguns vegetais.
Lactose: Um açúcar encontrado no leite, composto por glicose e galactose.
Portanto, dizer “açúcar no sangue” faz sentido popularmente até certo ponto, mas entender que é a glicose a protagonista quando se trata de diabetes, torna tudo mais claro.
Resumindo:
Toda glicose é um açúcar, mas nem todo açúcar é apenas glicose.
Quando falamos em "açúcar" no contexto da alimentação, geralmente estamos nos referindo à sacarose, que é diferente da glicose em sua composição química e metabolização (termo que explica a transformação de compostos químicos no nosso corpo).
Durante a alimentação, os carboidratos são quebrados em moléculas menores, incluindo a glicose, que é absorvida pelo intestino delgado e transportada para a corrente sanguínea.
Assim, ela se torna disponível para ser utilizada como fonte de energia pelas células. Em uma pessoa saudável, a glicose entra nas células com a ajuda da insulina (um hormônio produzido pelo pâncreas) para ser funcionalmente usada pelo organismo.
Já a diabetes é uma condição em que o corpo não consegue regular adequadamente os níveis de glicose (ou açúcar) no sangue, o que pode causar vários problemas de saúde a longo prazo, como doenças cardiovasculares, danos aos nervos, doença renal, problemas de visão, problemas de cicatrização, aumento do risco de infecções, doenças de pele ou complicações dentais.
No diabetes tipo 1, o corpo praticamente não produz insulina, pois o sistema imunológico ataca as células que a produzem. É neste tipo que a pessoa depende da aplicação diária de insulina.
No diabetes tipo 2, que é mais comum, o corpo ainda produz insulina, mas as células têm dificuldade em usá-la adequadamente – isso é conhecido como resistência à insulina. Neste tipo, a glicose se acumula no sangue, mas medicamentos podem ser usados para estabilizar esses níveis.
Para ter uma vida plena e saudável, é preciso adotar algumas estratégias práticas que podem prevenir complicações.
Além do uso correto de medicações, orientado por um(a) médico(a) de confiança, há 4 pilares essenciais para o manejo da diabetes:
Hidratação adequada
Exercício físico regular
Alimentação equilibrada
Manejo do estresse na rotina.
Mais de 800 milhões de pessoas vivem com diabetes no mundo, e as projeções da Federação Internacional de Diabetes (IDF) indicam que esse número pode chegar a impressionantes 1,3 bilhão até 2050.
No Brasil, o cenário não é diferente, com cerca de 20 milhões de brasileiros vivendo com a doença, o que nos coloca como o 6º país com mais casos no mundo.
A maioria desses casos (aproximadamente 90%) é de diabetes tipo 2, frequentemente ligada a fatores como obesidade e sedentarismo, enquanto o diabetes tipo 1, embora menos comum, tem visto um aumento na sua incidência global. Esses números reforçam a importância de entender a diabetes e adotar estratégias eficazes para o seu manejo.

Como ter um comportamento alimentar saudável com diabetes?
O comportamento alimentar de quem tem diabetes pode ser saudável, ou um gatilho para transtornos alimentares. Depende da rede de apoio e da perspectiva da pessoa quanto ao próprio corpo e saúde.
Transtornos alimentares na pessoa com diabetes não são, necessariamente, um risco tão comum quanto outras doenças derivadas dessa síndrome metabólica.
Uma abordagem terapêutica integrada e baseada em evidências, com apoio psicológico e práticas como o reconhecimento de sinais do corpo, ou culinária intuitiva, pode ajudar a desenvolver hábitos que melhoram tanto o controle glicêmico, quanto o bem-estar psicológico.
No fim das contas, os pilares de uma vida saudável – alimentação, movimento, sono, equilíbrio emocional – valem para todos.
Mas quem tem uma rotina que existe o monitoramento da glicemia acaba praticando esses pilares com uma intencionalidade que nem todos alcançam. E, muitas vezes, essa dedicação ao autocuidado transforma a maneira como uma pessoa vive.
Em vez de viver no automático, vive com mais atenção no momento presente, com escolhas estratégicas e com uma visão de longo prazo sobre o próprio bem-estar.
Com o tempo, cuidar da saúde deixa de ser uma preocupação e se torna uma habilidade: você aprende o que funciona e descobre que é possível aproveitar tudo o que gosta, desde que faça isso de uma forma que respeite o que seu corpo precisa.
E, se precisar de ajuda para começar e se adaptar a um novo comportamento alimentar, pode contar comigo.
Aline Angela C. de A.
Nutricionista Clínica Comportamental
CRN-8 18431
Curitiba/PR
Atendimento online e presencial
Comentários