Seletividade Alimentar em Adultos: por que acontece e como tratar
- Aline Carvalho

- 21 de set.
- 5 min de leitura
Você evita texturas específicas, come apenas em restaurantes conhecidos, ou sente ansiedade diante de alimentos novos? A seletividade alimentar afeta mais adultos do que imaginamos e tem base neurobiológica, muito além de só "ser ruim para comer". Boa notícia: tem tratamento.

O que é seletividade alimentar?
Seletividade alimentar refere-se ao consumo de uma gama limitada de alimentos, que frequentemente consiste na exclusão de grupos alimentares inteiros, podendo levar a deficiências nutricionais e impactar negativamente o crescimento e desenvolvimento.
Diferente do que muitos pensam, seletividade alimentar vai muito além de "ser difícil para comer".
É reconhecida por aumento da insistência em padrões repetitivos, sensibilidade sensorial e outras características neurológicas específicas.
Imagine um detector de fumaça com sensibilidade no máximo. Ele dispara com qualquer cheiro, mesmo os mais sutis. É assim que funciona o cérebro de quem tem seletividade alimentar severa.
Os alimentos mais comuns da seletividade alimentar em adultos
Alimentos mais frequentemente consumidos têm semelhanças em cor, aroma, textura, sabor, ou coerência de consumo (ou seja, seguem uma "linha de raciocínio" de uma referência pessoal sobre o que combina ou não).
Texturas lisas e/ou previsíveis:
Macarrão (principalmente espaguete ou penne simples)
Arroz branco
Pão de forma (às vezes sem casca, sem grãos)
Batata frita ou purê
Nuggets de frango
Pizza de frango, quatro queijos ou outros sabores com menos diversidades de ingredientes
Iogurte natural
Sorvete de baunilha
Lasanha
Alimentos crocantes e consistentes:
Biscoitos específicos (geralmente sempre da mesma marca)
Cereais secos (como cornflakes)
Torradas douradas
Salgadinhos de pacote
Maçã (mas só com casca ou só sem casca)
Entre outros critérios específicos:
Banana sempre no mesmo formato de apresentação, já que a grande parte dos adultos com seletividade alimentar a rejeita por conta do odor característico
Brócolis, por conta do formato único e peculiar, semelhante a uma "mini árvore"
Repolho roxo ou beterraba pelas cores vibrantes
Seletividade vs. Transtorno Alimentar
É importante entender: seletividade alimentar é um comportamento, enquanto ARFID (Avoidant/Restrictive Food Intake Disorder) ou TARE (Transtorno Alimentar Restritivo/Evitativo) é um diagnóstico clínico.
Nem toda seletividade alimentar constitui um transtorno, mas toda seletividade severa merece atenção.
Entre crianças com TEA (Transtorno do Espectro Autista), a seletividade alimentar tem prevalência estimada entre 51% e 89%, mas também ocorre na população neurotípica (desenvolvimento e funcionamento neurológico típico dentro dos padrões regulares) em graus variados.
Por que alguns adultos "comem como crianças"?
Pessoas com seletividade alimentar processam a novidade de um alimento de forma diferente, seja por fatores genéticos, ou por experiências traumáticas ao longo do desenvolvimento, por falta de repertório alimentar da cultura da família, até mesmo por uma rigidez cognitiva com origem específica.
Seja qual for o motivo (investigado por acompanhamento profissional), muitas vezes não é algo que se "supera com a idade, deixando o tempo passar".
As principais causas incluem:
Hipersensibilidade sensorial: Texturas são sentidas de forma amplificada (por fatores genéticos, ou não)
Deficiências nutricionais: Especialmente zinco e vitaminas do complexo B
Disbiose intestinal: Desequilíbrio das bactérias que afeta a comunicação intestino-cérebro
Experiências traumáticas: Situações negativas associadas à alimentação na infância
As bases neurobiológicas da seletividade alimentar em adultos
Processamento sensorial atípico
As propriedades sensoriais informam gostos e aversões, mas também desempenham papel funcional importante na orientação da escolha alimentar e comportamento de ingestão.
Três mecanismos principais:
Hipersensibilidade sensorial - texturas, sabores e cheiros são processados de forma intensificada
Processamento gustativo alterado - o cérebro interpreta determinados sabores como ameaçadores
Respostas de evitação condicionadas - experiências passadas criam padrões de rejeição automática
Manifestações na vida adulta
Sinais comuns incluem:
Repertório alimentar limitado (menos de 20 alimentos regulares)
Evitar situações sociais que envolvem comida
Ansiedade antecipatória em restaurantes novos
Necessidade de controle sobre preparo e apresentação dos alimentos
Impacto nos relacionamentos e vida social
Como seu cérebro aprendeu a ter "medo" de comida
Seu cérebro é como um detetive que nunca esquece uma pista.
Se aos 2 anos você teve uma experiência ruim com brócolis, ele pode ter arquivado: "verde = perigo".
Se a textura da carne te incomodou uma vez aos 5 anos, ele pode ter decidido: "proteína sólida = ameaça".
O problema? Esse detetive interno é super eficiente, mas às vezes exagera na proteção.
Os três "sistemas de alarme" do cérebro seletivo:
1. Alarme de Textura: "Essa consistência é estranha, melhor rejeitar"
2. Alarme de Sabor: "Esse gosto é muito intenso, pode ser venenoso"
3. Alarme de Experiência: "Da última vez que comi algo assim, me senti mal"
Por que as dicas da internet nunca funcionaram
"Comece adicionando um vegetal novo por semana!"
Se fosse assim tão simples, você já teria resolvido há anos, certo? O problema é que essas dicas ignoram completamente como seu cérebro funciona.
É como tentar convencer alguém com fobia de elevador a "simplesmente relaxar" numa subida até o 20º andar. O cérebro dela está gritando "PERIGO!", não adianta argumentar com lógica.
A boa notícia que você precisa saber
Seu cérebro é neuroplástico, ou seja, ele pode aprender coisas novas, mesmo depois dos 30, 40, 50 anos. Dá para "reprogramar" esses sistemas de alarme, mas precisa ser do jeito certo.
O segredo está em trabalhar COM seu cérebro, não contra ele. Entender que tipo de "alarme" seu cérebro dispara (textura? sabor? experiência?) e ir dessensibilizando gradualmente, até que se torne cada vez mais confortável a ideia de experimentar uma nova receita e fazer um pedido diferente em um restaurante.
Consequências nutricionais e sociais
A seletividade alimentar em adultos pode resultar em:
Deficiências nutricionais específicas (ferro, zinco, vitaminas do complexo B)
Disbiose intestinal por baixa diversidade alimentar
Isolamento social devido à evitação de eventos com comida
Impacto nos relacionamentos pela dificuldade de compartilhar refeições
Saúde mental debilitada pela falta de nutrientes que servem como "matéria prima" para a produção de neurotransmissores essenciais para o bem-estar.
Se esses sinais fazem sentido para você, saiba que existe abordagem especializada para trabalhar essa questão.
Fatores que intensificam a seletividade
Algumas condições podem tornar a seletividade alimentar mais pronunciada:
Neurodivergências (TEA, TDAH, alta sensibilidade)
Histórico de experiências alimentares traumáticas
Deficiências nutricionais que alteram percepção gustativa
Transtornos de ansiedade que amplificam respostas de evitação
Abordagens baseadas em evidência
O trabalho com seletividade alimentar em adultos requer compreensão das bases neurobiológicas individuais:
Avaliação multidisciplinar
Identificação dos fatores específicos que mantêm os padrões seletivos: sensoriais, nutricionais ou emocionais.
Dessensibilização gradual
Técnicas específicas que respeitam o processamento sensorial atípico, expandindo o repertório de forma sustentável.
Suporte nutricional
Identificar e corrigir deficiências nutricionais que podem estar intensificando as aversões (rejeição ou repulsa) alimentares.
Quando buscar acompanhamento?
Considere busca por especialização quando a seletividade:
Limita sua vida social ou profissional
Causa sintomas físicos (fadiga, problemas digestivos, deficiências)
Gera sofrimento emocional significativo
Afeta sua autoestima
Prejudica sua perspectiva de futuro e a segurança de ter uma saúde equilibrada
A perspectiva da mudança
A seletividade alimentar é neuroplástica, ou seja, pode ser modificada com abordagem adequada.
Dificuldades de processamento sensorial e habilidades oro-motoras frequentemente predispõem indivíduos à seletividade alimentar, mas essas mesmas características podem ser trabalhadas de forma específica.
O objetivo nunca é "forçar" você a comer o que rejeita, mas sim compreender os mecanismos por trás da seletividade e trabalhar gradualmente para expandir suas possibilidades alimentares.
Reconhece sua experiência neste artigo? Seletividade alimentar tem explicação neurobiológica e pode ser trabalhada com acompanhamento que compreende suas bases individuais específicas.
Aline Angela C. de A.
Nutricionista Clínica Comportamental
CRN-8 18431
Curitiba/PR
Atendimento online e presencial
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